15 de maio de 2009

AFINIDADE

Afinidade não é o mais brilhante, mas é o mais subtil, delicado e penetrante dos sentimentos. O mais independente.
Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afecto, no exacto ponto onde foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo medindo a vida. É uma vitória do adivinhado sobre o real. Do subjectivo sobre o objectivo. Do permanente sobre o passageiro. Do básico sobre o superficial (da esperança sobre a experiência).


Ter afinidade é muito raro. Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.

Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas. O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar de longe pensando parecido a respeito dos mesmos factos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar palavras. É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento. Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.

Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios. Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo. É olhar e perceber. É mais calar do que falar. Ou quando é falar, jamais explicar: apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por. Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo. Mas quem sente com, avalia sem contaminar. Compreende sem ocupar o lugar do outro. Aceita para poder questionar.

Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.
A afinidade não precisa de amor. Pode existir com ou sem ele. Independente dele. A quilómetros de distância. Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar, por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos. Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos, veremos ou falaremos.

A afinidade é singular, discreta e independente, porque não precisa de tempo para existir. Afinidade é adivinhação de essências não conhecidas nem pelas pessoas que as têm.

Afinidade é retomar a relação do ponto onde parou, sem lamentar o tempo da separação. Porque tempo e separação nunca existiram. Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar. E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais, a expressão do outro sob a forma ampliada e refletida do eu individual aprimorado...

(Arthur da Távola)

Sem comentários:

Enviar um comentário